terça-feira, 13 de março de 2012

Apneia

Você enche os pulmões de ar e mergulha, deixa-se envolver pelo leve azul das águas e o delicado som do silêncio. O tempo adquire nova forma e cada segundo pode ser um século. Apneia- naquele universo nem respirar é preciso. É um encontro com as belezas profundas do externo, mas também do interno porque os pensamentos fazem barulho em qualquer lugar.
                A relação dela com as águas sempre foi de profundo respeito e admiração.  O simples fato de olhar o mar levava embora todas as suas angústias e tristezas, não sabia nadar, mas amava sentir as ondas marinhas em seus pés. Quando queria mergulhar, recorria à apneia e curtia aquele momento único de seu encontro com o silêncio azul. Submersa, observava os passantes em torno da piscina, e admirava a mudança ótica trazida pelo mergulho- as coisas acima d’agua pareciam um pouco destorcidas quando observadas de baixo- e desde criança ria desse fato.
                Ela apaixonou-se e esse sentimento foi de tal maneira envolvente que não soube resistir. Mas não sabia nadar, e as águas da paixão são bem inconstantes- por vezes tranquilas como o nascer do dia, por outras tão violentas que perturbam até os navegadores mais experientes. Quando se percebeu nessa situação, lembrou-se da segurança que sentia em apneia, talvez mergulhar fosse a melhor forma de lidar com aquele turbilhão de pensamentos, e como criança curiosa, ansiosa e feliz encheu o coração de boas expectativas, fechou os olhos e deixou-se encobrir.
                Ah! A paixão...mergulhar em sua torrente é tão perigoso quanto prazeroso!  Mesmo de olhos fechados a vida parecia mais colorida e atraente!  E dessa vez ela não quis observar a superfície. Cada segundo naquele universo era uma eternidade, e como isso era maravilhoso! Horas ao telefone, almoços e jantares, saudades no minuto seguinte à despedida. Milhares de coisas em comum, rosas, chocolates, sorrisos, luares, perfumes, poemas. Tudo na intensidade exata para deixar marcas fortes e levar o ar. O simples encontro de olhar e...apneia!
O problema de encher os pulmões de oxigênio é que em dado momento somos obrigados a soltá-lo devagarzinho e esse é o começo do fim. É a hora de olhar para cima, encontrar a realidade, sofrer e seguir ou tomar novo fôlego e voltar. Mas quantos de nós temos coragem de fazer esse retorno logo após encontrar o escaldante sol ou as trevas da noite?  E principalmente, depois de ter gastado todas as forças para permanecer submerso?  
A paixão nos leva pelos caminhos que deseja e nos expulsa de seu mundo na hora em que lhe apraz, apresenta-nos seu universo encantado para depois retirar-nos todo o ar.  Lutamos bravamente contra esse fim, nos mantemos submergidos mesmo sem ar, até que somos obrigados a olhar a realidade, encarar a superfície que nos acorda e mostra quão distorcidas estavam nossas percepções, e mesmo sem querer,  realizamos a retirada, trôpegos e confusos voltamos a encontrar o ar....e como dói!
Depois de uma apneia demorada adaptar-se ao mundo respirado é um grande desafio, ficamos feridos e amedrontados, até que colocamos os pés nas águas claras e enganosas da paixão e sem perceber novamente estamos em apneia!
E ela? Ela segue a corrente da paixão com os pulmões cheios de ar, olhos e ouvidos fechados , paladar e tato  bem apurados, vivendo o prazer de sua apneia.  Se fará novo mergulho imediatamente após o retorno à superfície? Só os deuses saberão responder, mas esses instantes que agora vivencia, esses...nem em nova apneia esquecerá.
E essa é a graça da vida, essa eterna fuga de si e do mundo e o obrigatório retorno à realidade, inúmeras dores, mil graças e cores!