Eis que ela aproxima-se bela e envolvente em seu vestido negro noite. Sua coreografia é hipnotizante e triste, mas seus olhos são vibrantes. Sonhara com ela por anos, desejara-a - quiçá desde que havia nascido- mas sempre estivemos distantes. Hoje, porém, acordara com seu perfume floral e com seu musical réquiem.
Era indefinível o que sentia. Que
sabor teria seu beijo vermelho? Sabia apenas que acompanhá-la era entrar em uma
viagem misteriosa e solitária, repleta de chuva e adeus.
Ela, a quem tentara entregar meus
dias tantas vezes. Ela a detentora da ponte, do silêncio e quiçá de mim. Sua presença
gélida amedrontava e seduzia-me. Não entendia seu aparecer repentino numa manhã
de verão. Sem prévio aviso, no momento mesmo em que me casara com a felicidade
e a esquecera quase por completo, ali estava ela estendendo-me a mão.
Olhei pela janela, pássaros
cantavam livres, céu azul, sorrisos soltos ao vento. Meu coração assim também
se encontrava. Ao meu lado a imagem da paz em olhos de mel, o amor em forma de
mulher que não percebia o que acontecia e placidamente dormia o sono dos
inocentes. A hora chegara e era inegável que esse era um bom dia para dançar.
Com as mãos e lábios repletos de
saudade despedi-me de meu amor, sentei-me na cama e aguardei que ela me envolvesse
em seus braços.Era leve seu toque, sério e objetivo seu olhar, mas como era
doce seu bailar!
Aconcheguei-me no azul e entre
nuvens brancas e profundo silêncio iniciamos a viagem.