segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Filha de Apolo

Sentada em frente ao mar ela pensava sozinha. Sozinha, este é um adjetivo que a acompanha há muito tempo.  Por vezes se questionava quanto aos motivos, não chegava a lugar algum, seguia.
Naquela tarde, seus pensamentos não buscavam respostas, ela queria apenas sentir a brisa marinha e ouvir sua musica de sal. Não costumava olhar-se no espelho e, portanto, não percebia o brilho que carregava, era filha do sol e havia raios em seu sorriso, em alguns de seus gestos, na sua voz. Como não se reconhecia, não usava seus talentos, apenas passava pela vida colecionando adeuses. Tinha o calor de Apolo e a ira dos deuses. Naquele momento, no entanto, queria apenas descansar.
Por que sempre achamos que passamos despercebidos, que nunca estamos sendo vistos, ou que não importa quem nos veja?
Olhos atentos encantavam-se com aquele brilho solar, e a leve melancolia exalada naquele momento tornava-o ainda mais atraente. Ao olhar para trás a filha do sol parecia a própria estrela, tal o seu esplendor. Aproximou-se, ofertou-lhe uma bebida, conversaram. Dias belos seguiram àquele encontro, mas todo semideus precisa de devoção e não há homem que suporte tal aprisionamento por mais de uma paixão.
Em uma manhã chuvosa ele se foi, sem palavras ou lágrimas.
Essa cena repete-se anos a fio, como uma dança com passos marcados. Ela, a sereia que encantava junto ao mar, ou em um bar, no cinema, onde seus raios de desejo e calor posassem. Eles, lordes rendidos e entregues, até que o amor seja sufocado, antes mesmo de nascer, pelos anseios e caprichos intermináveis dessa, até então, musa.
Era filha do sol, aquecia e iluminava, mas em excesso queimava e adoecia. Não se olhava no espelho. Entregara-se à eternidade sozinha, colecionando perguntas, lágrimas e adeus.

Coração de Menino

Ele adorava sair todas as manhãs para praça que fica em frente a sua casa, não sem antes fazer o café e tomar escondido uma xícara. Vivia ali há mais de trinta anos e colhera dessa caminhada muitos amigos. 
Seu sorriso era sempre farto e corriqueiro, cabeleira rasa e toda branquinha, um típico avô padrão que dava até vontade de sentar no colo e ouvi-lo contar histórias.   As adversidades vencidas deixaram marcas não apenas na face e nas mãos calejadas, com o também na alma (e que pessoa que vale a pena se salva dessas cicatrizes?). Louco por doces, proibido; soneca logo após o almoço, proibida; caminhadas longas visitando os amigos, proibidas. E você pensa que ele entristecia? Vencer o tempo nos dá o direito de burlar todas as regras com serenidade, cautela e muito bom humor. Atendia a tudo e esquecia-se de tudo sempre que lhe convinha, é claro!
Um dia dera um susto em todos: seu coração resolveu bater mais lentamente, e quem disse que queria voltar ao ritmo padrão? Seria saudade da vida de agricultor dura e pausada, sem essa agonia urbana, essa correria, essa voracidade?  Ou era cansaço dos dias? Já recebera tanto desse mundo, será que o menino queria descobrir novas aventuras em outro lugar? Nunca se saberá, mas a medicina evoluiu e sobreviver é verbo comumente conjugado.  Alívio era a palavra que traduzia o sentimento geral quando, dias depois, ele cruzou a porta de casa. Já não era o mesmo, agora usava um aparelhinho que ajudaria seu coração a bater no compasso certo.  Ele também estava feliz, sabia que ficaria tudo bem (uma cigana uma vez lhe disse que viveria mais de noventa anos, estava com 87, tinha muito o que fazer ainda!) , seguia, como sempre dizia, confiando em Deus e nas palavras de uma cigana!
O mês de novembro foi de consultas regulares e ele chegou todo prosa quando o  médico disse que seu coração estava igual ao de um menino! Ele era todo um menino, o brilho de seus olhos bem exprimia isso. Amava a juventude e a exalava em cada molecada que aprontava vez por outra. Seu coração não era de um menino apenas porque pulsava corretamente, mas porque nunca deixara de sentir e, muitas vezes, agir como tal. 
Quando se sentiu bem, resolveu visitar um irmão que se encontrava doente. O tempo também sabe ser cruel - ao vencê-lo, pagamos o alto preço de vê-lo levar nossos amores, ilusões e muitas vezes esperanças. Ficou triste, não era muito agradável ver um irmão acamado. Lembrou-se da cigana, ela começou a dançar à sua frente. Estava tão linda em seu vestido vermelho! Viu-se novamente jovem e encantado, ela ria e pegava em sua mão. Apresentava-lhe um caminho novo, desconhecido, mas tão belo, tão diferente desse que percorria diariamente!  Sentiu o coração, seria dor? Não, ele era um menino!  Não resistiu ao bailar cigano, ao perfume do novo. Sentia-se tão leve!
Um corpo no chão, lágrimas enchuvalham-lhe. Ele olha, sente saudade, mas é traquina como um menino. Vai-se. Leva em seu coração todos os amores, preparar-lhes-á uma linda casa com flores e árvores ao redor. Mas, agora, quer apenas dançar. Segue a cigana.
O amanhã será breve, vocês verão, eu nem o percebi chegar!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Mais que Lobos e Chocolates


           Olhos fechados, chocolates e música. Ela estava lembrando os últimos momentos que viveram juntos. O que os havia separado? A morte? Muito pior... a vida! Ela o conhecera por baixo da máscara da paixão, e sim, ele era um lobo mau! Indeciso, inconstante, atraente, impulsivo, insistente, apaixonante!
Ela havia decidido afastar-se, não precisava daquele torpor! Mas aquele perfume amadeirado e forte ainda impregnava sua roupa e poluía sua pele. E o sorriso? Parecia que o sol emprestava alguns de seus raios àquela boca. E que boca! Estava, definitivamente, envolvida! Mas iria esquecer! Sim... o homem é um ser que se diferencia dos outras animais pelo poder de controlar seus instintos( será ?). Sim... ela conseguirá!
Por que é tão difícil deixar ir? Por que a razão só aponta o caminho, mas não desativa a memória?  O tempo iria agir, é fato, mas como é lento o vagar das horas quando o que temos que fazer não condiz com o que desejamos! Por isso ela permanecia calada, quieta, envolta com seus chocolates (quando há mágoas e dores, só muito vinho ou cacau ao leite!)
A Chapeuzinho não era nem nova demais, nem velha demais. Não era o que se pode chamar de mulherão, mas não era (nem de longe) feia!  Era inteligente, bonita, divertida: atraia facilmente a atenção das pessoas.  Sofrera uma vez por amor, achava que estava vacinada, mas o Lobo Mau lhe apareceu e a fez muito feliz, até entender que uma caverna só não bastava! 
O grande problema é que não existe precaução contra a paixão: ela chega sorrateira, leve, dançante e arrebatadora. Vermelha, doce e viciante, a paixão fecha os olhos de suas vítimas e intensifica todos os outros sentidos. É irresistível, inegável, seria também invencível? Após navegar hipnoticamente por seus mares, Chapeuzinho precisava libertar-se, não por ele, que em seu coração ainda reinava como Apolo, mas por si. Ela não precisava de um Lobo, que inesperadamente some ao amanhecer, queria e merecia um leão para dar-lhe segurança e carinho adormecendo e amanhecendo em seus braços.   Não seria melhor um Lobo na mão do que uma floresta inteira vazia? Como saber? O que acreditava é que manter-se naquela viagem insana não era bom. Agora que tinha certeza que o Lobo precisava voar, resolveu dar-lhe as asas e o céu inteiro.
Dias chuvosos se seguiram, horas alegre, horas tristes, e o tempo foi fazendo seus remendos no coração da Chapeuzinho. Vez por outra ele vinha-lhe à memória, e esses momentos eram cada vez mais fugazes. Se a deprê ameaçava, enchia-se de chocolate e tudo se iluminava.  
Em uma noite de Novembro, alguns anos depois de tudo, olhou-se no espelho: estava diferente, mas seguia bela. Ela não sorriu, mas sua imagem refletida parecia feliz. Resolveu sair, encontrar alguns amigos com os quais há muito não saia.
O sabor da noite é sempre revigorante, a madrugada nos faz sentir mais joviais, e quando a vencemos, somos mais fortes. Chapeuzinho voltara a conhecer esse gosto e inebriara-se. Havia sido cortejada, passara todo tempo entre sorrisos e educados nãos. Sabia-se mais bela e resistente. Ela não se entregaria a vendavais: intensos, mas destruidores e passageiros. Não passaria mais horas comendo chocolates, eles aliviam todo o mal, mas engordam (e que mulher quer sentir-se gorda?).
Estava em frente ao mar, sentia-se renovada, curada, pronta pra enfrentar novamente os desafios da floresta. O dia já sorria-lhe e Apolo fazia-se todo luz e azul. Sorriu, seguiu... acharia seu leão? Não sabia, mas o que custa estar pronta para encontrá-lo? 
Entre os verdes arbustos doces olhos a espiavam, era o Lobo, o Leão, ou outro animal qualquer? Não importa a forma que assumira, era ela- a paixão- que, novamente em vermelho ardor,   a espreitava pacientemente.