quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Estes e Outros Ventos


Uma das mais doces lembranças que tenho da infância é de quando viajávamos em família e meu pai perguntava o que o vento havia desenhado nas nuvens. Nossa! O tempo enfadonho dentro do ônibus passava a fluir ligeiro. A cada nova arte do ar, muitas risadas.  
Hoje olho para o céu e sinto uma dificuldade imensa em identificar as travessuras eólicas nas nuvens. O que acontece com nossa visão quando nos tornamos adultos? Teria Chronos levado consigo a divertida poesia que mora no alvor celeste? Ou seria meu coração que já não consegue ler os encantos cotidianos?
Cidade de pedra com cheiro de mar... muito tempo exposto a essa composição nos torna duros, secos, salobros. A luz e doçura da infância se perdem nas curvas rochosas e fica difícil sequer identificar a poesia, quiçá compreendê-la ou vivenciá-la. Os poetas são, certamente, eternos infantes que crescem, mas não se embriagam de maturidade, não se enrijecem. Eu não sou artista, nem muito menos poeta. Entrei nesse calabouço escuro e vazio do cotidiano e já não vejo nem música, nem versos na estrada - suspeito-os, é verdade, talvez até consiga sentir seu perfume, mas não os reconheço.
Em que momento as nuvens passaram a ser só nuvens, as rosas, apenas flores, e o sol só anúncio de um novo dia?  Em que instante deixei de perceber a beleza profunda de um fim de tarde?
Constantemente passo por uma ponte no horário em que o dia é substituído pela noite, mas em nenhuma das vezes paro o que estou fazendo para observar essa cena. Ontem eu vi o pôr do sol no Rio Potengi, algumas nuvens bailaram no céu antes do momento ápice, e Ele brincou com elas escondendo-se das câmeras que insistiam em guardá-lo em um chip, mas apareceu resplandecente e sorridente para despedir-se e dormir beijando as águas.  Não consegui perceber os gracejos que dizia, nem as respostas que levou. Mas vi-o, penetrei-o e sua luz não me cegou. No laranja chamejante daquele sol consegui reencontrar-me jovial e feliz adivinhando as artes de Éolos e embasbacando-me com a grandiosidade de Apolo. Foi questão de segundos, mas quase li poesia naquele repouso solar.
Hoje me encontro olhando um céu algodoado de nuvens, não consigo perceber nenhum desenho no ar. É, parece que sigo salobra e pétrida. Saudade do tempo em que ver significava entender a poesia do cotidiano.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Sem/Cem palavras


Li um dia que se para cada uma das coisas e sentimentos houvesse uma denominação a comunicação seria facilitada e as pessoas se entenderiam melhor. Quando estava na faculdade, em uma das minhas melhores disciplinas, aprendi que o homem denomina o que conhece. É pela necessidade que as palavras são criadas. Na Bíblia, a metáfora Adão criou todos os substantivos.
                Hoje estou angustiada, aflita, triste... não, nenhuma dessas palavras traduz  meus sentimentos, o que sinto não foi dicionarizado, dito, demarcado. Pertence apenas ao meu universo íntimo.  Será que ninguém sentiu isso antes? Por que não consigo palavra que alcance tal incômodo? Não. O que sinto não é tão gigantesco que não possa ser posto em uma palavra. Talvez seja tão micro...
 Cientistas batizam novas descobertas a cada dia. Em nosso cotidiano, para cada inovação um predicado inédito - ou quase.  E me questiono se seria possível traduzir tudo em vocábulos, se é mesmo a necessidade que determina o neologismo. Será que ninguém nunca quis nomear determinados flashes que perfuram nosso cotidiano e apertam o coração? 
Penso que as palavras foram feitas para o macro. Mas o átomo não é macro! Será? O átomo é o máximo que conseguimos traduzir do invisível. Menor que ele não existe, ou não tem nome? Sim. As coisas só têm título quando não são suportavelmente indizíveis. Se passarão, encontramos algo que traduza mais ou menos e pronto!
É para o macro, o insuportável, é para o que não se pode camuflar que são feitos os conceitos. E é natural! Já pensou se tivéssemos um termo para cada pequena partícula da existência? Não conhecemos todas as expressões que já existem, imaginem se fosse diferente, levaríamos toda uma vida tentando dominar as palavras e muitas, inúmeras, nos escapariam como água na mão.
Uma palavra para cada poeira de sentimento inutilizaria a arte. Transformaria o cotidiano em uma eterna e enfadonha busca ao dicionário. E me pergunto se realmente é possível materializar, verbalizar as gotas significativas e misteriosas que permeiam nosso universo interior.
Adão estava certo, quem sabe se Deus não lhe deu a dica? O macro, o impossível, o necessário deve ser nominado. O micro, o misterioso, o que passa sem deixar profundas cicatrizes, deve ser sentido, vivido e esquecido. 
E eu? Escrevo, converso com amigos, lacrimejo... amanheço,  penso! Passou!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Filha de Apolo

Sentada em frente ao mar ela pensava sozinha. Sozinha, este é um adjetivo que a acompanha há muito tempo.  Por vezes se questionava quanto aos motivos, não chegava a lugar algum, seguia.
Naquela tarde, seus pensamentos não buscavam respostas, ela queria apenas sentir a brisa marinha e ouvir sua musica de sal. Não costumava olhar-se no espelho e, portanto, não percebia o brilho que carregava, era filha do sol e havia raios em seu sorriso, em alguns de seus gestos, na sua voz. Como não se reconhecia, não usava seus talentos, apenas passava pela vida colecionando adeuses. Tinha o calor de Apolo e a ira dos deuses. Naquele momento, no entanto, queria apenas descansar.
Por que sempre achamos que passamos despercebidos, que nunca estamos sendo vistos, ou que não importa quem nos veja?
Olhos atentos encantavam-se com aquele brilho solar, e a leve melancolia exalada naquele momento tornava-o ainda mais atraente. Ao olhar para trás a filha do sol parecia a própria estrela, tal o seu esplendor. Aproximou-se, ofertou-lhe uma bebida, conversaram. Dias belos seguiram àquele encontro, mas todo semideus precisa de devoção e não há homem que suporte tal aprisionamento por mais de uma paixão.
Em uma manhã chuvosa ele se foi, sem palavras ou lágrimas.
Essa cena repete-se anos a fio, como uma dança com passos marcados. Ela, a sereia que encantava junto ao mar, ou em um bar, no cinema, onde seus raios de desejo e calor posassem. Eles, lordes rendidos e entregues, até que o amor seja sufocado, antes mesmo de nascer, pelos anseios e caprichos intermináveis dessa, até então, musa.
Era filha do sol, aquecia e iluminava, mas em excesso queimava e adoecia. Não se olhava no espelho. Entregara-se à eternidade sozinha, colecionando perguntas, lágrimas e adeus.

Coração de Menino

Ele adorava sair todas as manhãs para praça que fica em frente a sua casa, não sem antes fazer o café e tomar escondido uma xícara. Vivia ali há mais de trinta anos e colhera dessa caminhada muitos amigos. 
Seu sorriso era sempre farto e corriqueiro, cabeleira rasa e toda branquinha, um típico avô padrão que dava até vontade de sentar no colo e ouvi-lo contar histórias.   As adversidades vencidas deixaram marcas não apenas na face e nas mãos calejadas, com o também na alma (e que pessoa que vale a pena se salva dessas cicatrizes?). Louco por doces, proibido; soneca logo após o almoço, proibida; caminhadas longas visitando os amigos, proibidas. E você pensa que ele entristecia? Vencer o tempo nos dá o direito de burlar todas as regras com serenidade, cautela e muito bom humor. Atendia a tudo e esquecia-se de tudo sempre que lhe convinha, é claro!
Um dia dera um susto em todos: seu coração resolveu bater mais lentamente, e quem disse que queria voltar ao ritmo padrão? Seria saudade da vida de agricultor dura e pausada, sem essa agonia urbana, essa correria, essa voracidade?  Ou era cansaço dos dias? Já recebera tanto desse mundo, será que o menino queria descobrir novas aventuras em outro lugar? Nunca se saberá, mas a medicina evoluiu e sobreviver é verbo comumente conjugado.  Alívio era a palavra que traduzia o sentimento geral quando, dias depois, ele cruzou a porta de casa. Já não era o mesmo, agora usava um aparelhinho que ajudaria seu coração a bater no compasso certo.  Ele também estava feliz, sabia que ficaria tudo bem (uma cigana uma vez lhe disse que viveria mais de noventa anos, estava com 87, tinha muito o que fazer ainda!) , seguia, como sempre dizia, confiando em Deus e nas palavras de uma cigana!
O mês de novembro foi de consultas regulares e ele chegou todo prosa quando o  médico disse que seu coração estava igual ao de um menino! Ele era todo um menino, o brilho de seus olhos bem exprimia isso. Amava a juventude e a exalava em cada molecada que aprontava vez por outra. Seu coração não era de um menino apenas porque pulsava corretamente, mas porque nunca deixara de sentir e, muitas vezes, agir como tal. 
Quando se sentiu bem, resolveu visitar um irmão que se encontrava doente. O tempo também sabe ser cruel - ao vencê-lo, pagamos o alto preço de vê-lo levar nossos amores, ilusões e muitas vezes esperanças. Ficou triste, não era muito agradável ver um irmão acamado. Lembrou-se da cigana, ela começou a dançar à sua frente. Estava tão linda em seu vestido vermelho! Viu-se novamente jovem e encantado, ela ria e pegava em sua mão. Apresentava-lhe um caminho novo, desconhecido, mas tão belo, tão diferente desse que percorria diariamente!  Sentiu o coração, seria dor? Não, ele era um menino!  Não resistiu ao bailar cigano, ao perfume do novo. Sentia-se tão leve!
Um corpo no chão, lágrimas enchuvalham-lhe. Ele olha, sente saudade, mas é traquina como um menino. Vai-se. Leva em seu coração todos os amores, preparar-lhes-á uma linda casa com flores e árvores ao redor. Mas, agora, quer apenas dançar. Segue a cigana.
O amanhã será breve, vocês verão, eu nem o percebi chegar!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Mais que Lobos e Chocolates


           Olhos fechados, chocolates e música. Ela estava lembrando os últimos momentos que viveram juntos. O que os havia separado? A morte? Muito pior... a vida! Ela o conhecera por baixo da máscara da paixão, e sim, ele era um lobo mau! Indeciso, inconstante, atraente, impulsivo, insistente, apaixonante!
Ela havia decidido afastar-se, não precisava daquele torpor! Mas aquele perfume amadeirado e forte ainda impregnava sua roupa e poluía sua pele. E o sorriso? Parecia que o sol emprestava alguns de seus raios àquela boca. E que boca! Estava, definitivamente, envolvida! Mas iria esquecer! Sim... o homem é um ser que se diferencia dos outras animais pelo poder de controlar seus instintos( será ?). Sim... ela conseguirá!
Por que é tão difícil deixar ir? Por que a razão só aponta o caminho, mas não desativa a memória?  O tempo iria agir, é fato, mas como é lento o vagar das horas quando o que temos que fazer não condiz com o que desejamos! Por isso ela permanecia calada, quieta, envolta com seus chocolates (quando há mágoas e dores, só muito vinho ou cacau ao leite!)
A Chapeuzinho não era nem nova demais, nem velha demais. Não era o que se pode chamar de mulherão, mas não era (nem de longe) feia!  Era inteligente, bonita, divertida: atraia facilmente a atenção das pessoas.  Sofrera uma vez por amor, achava que estava vacinada, mas o Lobo Mau lhe apareceu e a fez muito feliz, até entender que uma caverna só não bastava! 
O grande problema é que não existe precaução contra a paixão: ela chega sorrateira, leve, dançante e arrebatadora. Vermelha, doce e viciante, a paixão fecha os olhos de suas vítimas e intensifica todos os outros sentidos. É irresistível, inegável, seria também invencível? Após navegar hipnoticamente por seus mares, Chapeuzinho precisava libertar-se, não por ele, que em seu coração ainda reinava como Apolo, mas por si. Ela não precisava de um Lobo, que inesperadamente some ao amanhecer, queria e merecia um leão para dar-lhe segurança e carinho adormecendo e amanhecendo em seus braços.   Não seria melhor um Lobo na mão do que uma floresta inteira vazia? Como saber? O que acreditava é que manter-se naquela viagem insana não era bom. Agora que tinha certeza que o Lobo precisava voar, resolveu dar-lhe as asas e o céu inteiro.
Dias chuvosos se seguiram, horas alegre, horas tristes, e o tempo foi fazendo seus remendos no coração da Chapeuzinho. Vez por outra ele vinha-lhe à memória, e esses momentos eram cada vez mais fugazes. Se a deprê ameaçava, enchia-se de chocolate e tudo se iluminava.  
Em uma noite de Novembro, alguns anos depois de tudo, olhou-se no espelho: estava diferente, mas seguia bela. Ela não sorriu, mas sua imagem refletida parecia feliz. Resolveu sair, encontrar alguns amigos com os quais há muito não saia.
O sabor da noite é sempre revigorante, a madrugada nos faz sentir mais joviais, e quando a vencemos, somos mais fortes. Chapeuzinho voltara a conhecer esse gosto e inebriara-se. Havia sido cortejada, passara todo tempo entre sorrisos e educados nãos. Sabia-se mais bela e resistente. Ela não se entregaria a vendavais: intensos, mas destruidores e passageiros. Não passaria mais horas comendo chocolates, eles aliviam todo o mal, mas engordam (e que mulher quer sentir-se gorda?).
Estava em frente ao mar, sentia-se renovada, curada, pronta pra enfrentar novamente os desafios da floresta. O dia já sorria-lhe e Apolo fazia-se todo luz e azul. Sorriu, seguiu... acharia seu leão? Não sabia, mas o que custa estar pronta para encontrá-lo? 
Entre os verdes arbustos doces olhos a espiavam, era o Lobo, o Leão, ou outro animal qualquer? Não importa a forma que assumira, era ela- a paixão- que, novamente em vermelho ardor,   a espreitava pacientemente.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Filha de marinheiro, sangue de mar

Ela caminha entre as pedras, brinca com as ondas que beijam seus pés, mas sua mente está longe de seus passos. Que pensamentos a dominam nesse instante? Saberá alguém decifrar? Silêncio e sorriso... será para nos desviar a atenção? Para impedir uma provável pergunta?
O dia mergulha na praia e surgem brilhantes e alegres as estrelas. Ela deita e as observa. Como a encanta aquele clima litorâneo! É filha de marinheiro, ama o mar. As palavras saem automaticamente, está curtindo a brisa e sonhando luares.  A seu lado, olhos verdes a interpretam por segundos. É claro como se entendem, é belo como se completam, mas embora estejam próximos, há  um abismo cruel entre o dono dos olhos e a donzela. Ela finge não perceber... conversam. Brincam como se estivessem de mãos dadas, e o tempo passa veloz e leve, mas o gélido da distancia por vezes se impõe.
O frio da madrugada aproxima os hálitos, corações aceleram. Por que é tão difícil construir uma ponte quando se conhece os perigos do outro lado?  O tempo vira. Suor e desejo se misturam e o despenhadeiro grita impedindo os movimentos. Calam-se e seguem.
É dia no oceano! Ela acorda alegre apesar da noite difícil. Música, perfume e mais sintonia, momentos divertidos...os olhos verdes exalam felicidade. Será que eles percebem a doçura daquele instante? E ela?  O que germina em seu coração?  
Eles a seguem respeitando os limites do abismo, mas estão claramente sob seu domínio e sentem-se afortunados, apesar de tudo.
Ela é filha de marinheiro... tem sangue de mar: com  o sal e profundidade que lhe são característicos, mas com o mistério e o risco não menos peculiares. É capaz de afogar: de amor ou de dor. Seu sangue marinho gosta da sedução e do arrastamento, mas está apto a cuspir o que não lhe satisfaz - inclusive os pobres olhos verdes que a acompanham. Ela guarda a vida, a beleza e a leveza, mas quem diria? O mar teme o beijo da noite e todos os espectros advindos de seu reinado!
 Os olhos verdes são o crepúsculo e trazem o anuncio das sombras. Ela os ama, os deseja... mas ela é filha de marinheiro, seu sangue cheio de ondas prefere a falta de paradeiro ou a calmaria da manhã.
Tempestade no ar... olhos verdes fixos e doces com mãos e coração abertos, meia ponte construída e um guarda-chuvas à espera. Ela construirá o restante da ponte? É filha de marinheiro, seu sangue agitado é imprevisível - mas ela sorri!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

EFÊMERO X ETERNO



O que seria o eterno?  Alguém já o viu face a face?

Passamos a existência nos adaptando às mudanças do mundo, às evoluções tecnológicas, às modificações na ortografia, às reviravoltas da moda, da economia... vivemos no eterno desafio de nos encontrarmos no novo Eu que nos espera a cada cinco ou dez anos( quando demora tudo isso!!!).

Muda o tempo, as perspectivas, a natureza, as histórias. Mudam as esperanças, as crenças, os amores... eis aí nosso maior vilão: o Amor. Dono da sensação de eternidade e do desejo dela, o amor nos torna pessoas melhores, mas nos dá a ilusão do eterno. Envolve-nos, seduz- nos e entramos em seu doce mundo. E o Eterno se faz possível, visível, louvável. Ai! Como são claros, musicais e perfumados os dias nesse universo paralelo onde habita o amor.

O problema é que no inebriante estado em que nos encontramos quando amamos, não percebemos no Eterno apenas uma sombra e juramos beijar a sua face nos tornando amigos dele. O senhor Eterno nunca dá as caras, mas pensamos que desfrutamos de sua presença.

Não existe fato mais palpável que o Efêmero. Ele nos acompanha a cada dia, em cada ruga que nos amedronta, em cada vida que se vai, em cada novo aparelho eletrônico que compramos, em cada lua que brilha, em cada nascer do sol.  E, no entanto, o negamos.

Por que é tão difícil entender que o Eterno é ilusão?  Porque sofremos tanto com o fim de qualquer coisa, especialmente se esta coisa é o amor?  Por que a cada batida de coração mais acelerada pensamos que dessa vez é para sempre? Por que nos vemos sempre com aqueles vestidos de princesa da Disney que encontrou seu príncipe encantado?

Pergunto-me se mais uma vez estou sendo extremista. Lembro-me de uma  grande amiga chamando-me de romântica, discordo e penso: Seria mais fácil, menos doloroso e mais racional aproveitar o Efêmero.  

Sabendo que um dia vai acabar, talvez vivêssemos com mais intensidade tudo, disséssemos aos nossos pais o quanto nós os amamos, deixássemos um sorriso na face dos amigos a cada vez que os encontrássemos, levássemos uma rosa para pessoa amada sempre que tivéssemos vontade e declarássemos nosso amor todos os dias antes de dormir.  Talvez nos arrependêssemos menos e nos divertíssemos mais.

No meio dessas divagações ouço novamente a voz da amiga:  -Romântica!

Então meu coração aperta e diz: 

- É acreditando no Eterno que construímos as maiores realizações, é porque confiamos nele que adquirimos paciência e tolerância.  É movido pelo desejo da eternidade que nascem os sonhos e os frutos dele. É o Eterno que nos dá a doce e leve sensação do amanhã. O Eterno é o pai na tranqüilidade e da verdade. 


O ser humano e sua busca por conceitos!  O Efêmero é o Eterno que durou menos do que o esperado. Certo estava o poeta quando disse: “ Que seja eterno enquanto dure!”


Sim, ela tem razão: eu sou romântica!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Espelhos de Infância


Hoje estava na sala de aula e um redemoinho nos assolou. De repente senti aquele cheiro de areia molhada, gritos ingênuos, árvores, sorrisos. Eu e meus alunos, todos em miniatura, cantando aquelas músicas pueris, assistindo desenhos animados que não existem mais, vivenciando cada dose de doçura que só a infância é capaz de nos inspirar.
Segundos paralisada... tantas cores, tantos saltos, tanta inocência! “Batatinha frita um dois três...”, “ Com quem, com quem, Maria vai casar: loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão, polícia, capitão!"
 Uma energia interminável e abraços...já pensou em quantos abraços ganhamos quando somos crianças? Vida leve, sonhos, coração pleno de todos os sentimentos do mundo. A existência se resume a sorrisos ou lágrimas, e como eles brotam livres de nossos rostos!
A melhor parte encontra-se nos brinquedos... nesse tempo não havia computadores em todas as casas, eletrônicos eram objetos em que não podíamos tocar, pois eram caros e “perigosos”! Então, ficávamos em frente à televisão ou corríamos para rua... Deus! A rua era o mundo, era onde conhecíamos as coisas, onde podíamos tudo, de reis a mendigos construíamos um universo paralelo onde interpretávamos todos os papéis! A rua...50 metros de pura aventura! 
Passávamos horas fabricando pipas, roupas para bonecas e estilingue.  Aquela meia rasgada que você não usa mais? Na magia da rua se juntava a outras e transformava-se em uma agradável bola que nos divertia por dias a fio. Aquele elástico que sobrou da roupa que a vovó costurava (sim, as vovós costuravam nesse tempo e sempre nos davam belos presentes germinados em suas mãos )?  No condão da rua, era objeto de onde brotavam saltos e risadas! Cordas, tábuas, garrafas plásticas, latas, tudo se transformava em doces alegrias.
Na TV, Trapalhões, Xuxa, Angélica, Mara Maravilha, Fofão! E os desenhos? He-Man, She-Ha, Tunthercats, Os Smurfs, Ursinhos Carinhosos, O fantástico mundo de Bob...  Tudo parece tão terno agora!!!
           Novo redemoinho... aos poucos os perfumes de rosas, terra molhada, doces, pipoca  e suor vão ficando pra traz. Durou apenas alguns segundos, mas nos levou a uma terra que não  sentíamos mais como era. 
           Recordar é viver, sim! Das lembranças sobraram os sorrisos e a saudade.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Felicidade

 Venta forte! O dia amanheceu ensolarado, mas segue ventando!
 Em meio ao azul celeste sua silhueta me aparece sorridente. Acena. Será para mim?
Ainda é apenas um espectro, mas sinto-lhe o perfume.
O vento traz-lhe cada vez mais perto e fixa-me seu olhar penetrante, congelo!
Tão bela, tão intangível, mas tão perto, tão suave, tão doce...
Seduz-me sem palavras, tem flores nas mãos e estrelas nos lábios.
Apresenta-me caminhos tão coloridos... temor, tremor, tem dor???
A ventania faz-me tocar-lhe, estou em seus braços, voando...flutuando...
Deixo-me estar ali. Bebendo-lhe o inebriante mel, sem julgar, sem mover
Sem ao menos pensar...desejando,  apenas,  que não pare a ventania!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Saudade



Chegas suave e bela, trazida por um sabor, cor, aroma ou som
Teu perfume encantador envolve e seduz, e nos entregamos aos sonhos que reavivas
Ao encarar tua face, no entanto, percebemos a ilusão.
Uma metamorfose instaura-se e conhecemos quem de fato és.                                                   
Teu hálito é quente, tua pele seca.
Estás envolta de entretons, mas constituída de vazio.
Tens nas mãos uma flecha dourada que não dói ao penetrar mas destrói ao se instalar.
 Teu olhar é um furacão que nos arrebata
Mergulho no escuro, frio, cinza
Onde estão as flores, o sol, as músicas?
Silêncio... angústia
Dizem que podes ser generosa e leve, que moras em jardins onde passeiam os deuses
Conheço, no entanto, apenas tua ira e aflição
Minha ventura é que namoras Cronos e ele em breve te levará
Tirando-me do entorpecimento  e devolvendo-me os pássaros.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Dias de Sol....


Hoje acordei e  − depois de muita chuva − me deparei com um céu azul... reluzente,  encantador . Coincidência ou não, lembrei muito dos tempos de juventude (acho que a convivência com meus alunos adolescentes tem me feito olhar no retrovisor da vida). Fiquei pensando nas amizades, na eternidade que cada relação possuía em si, na intensidade dos sentimentos, na sensação de tudo saber, e no sol... como as lembranças desses tempos são iluminadas, como tudo parece quente e doce!
Não é à toa que os autores românticos refugiavam-se no passado!É que quando estamos no “futuro” todas as coisas vividas parecem mais leves! E são! Estão banhadas pelo perfume da experiência e adocicadas pela superação.  A infância e a adolescência (quando a maturidade chega) surgem diante de nossos olhos como uma bela flor- delicada, pura, frágil − e a observamos como quem nina um bebê− com todo o cuidado e carinho. São momentos onde a inocência ainda nos movia e as crenças eram doces sonhos.
                Os dias de sol no presente são menos perceptíveis, estamos sempre envolvidos com o tic-tac , com as preocupações, as coisas dificilmente são plenas! Mas quando a perspectiva vem do retrovisor, hum... parece que a estrela maior brilha em  toda a sua intensidade e sentimos que aqueles dias eram perfeitos − tardiamente é verdade − mas não sei se isso é ruim, afinal  parece que os bons momentos são iguais aos vinhos, são melhor apreciados depois de passado alguns anos!
No dia dos namorados vivi um dia de sol, ontem também! Foram momentos lindos onde me senti amada e amei muito, me diverti, nem senti o tempo passar! Mas certamente, daqui a alguns anos lembrarei ainda com mais carinhos desses momentos. É que a chegada do inverno nos faz valorizar ainda mais o verão.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Chapeuzinho Vermelho do Século XXI

Quem nunca ouviu, ao menos uma vez, a perseguição do Lobo Mau à pequena e inocente criança que vai executar a tarefa que sua mãe determinou? Ontem eu ouvi a melhor versão dessa história!
E eis que surge o Lobo Mau (como sempre portando sua inconfundível aliança de ouro) trabalhando concentrado e determinado, parece bem resolvido e responsável. Não podemos dizer que é belo, mas certamente com aquele ar adulto e experiente torna-se atraente até para as mulheres mais experientes. 
Bem...ele está trabalhando e repentinamente aparece ela, inocente e bela, passa à sua frente e ele- que acreditava já haver domado seus instintos caçadores- levanta seus enormes olhos e a observa (mil pensamentos o consomem e deixa-se levar pelo prazer de ser lobo). É experiente e sabe que precisa ser discreto e, principalmente, deve ganhar a confiança da Chapeuzinho.
Os dias seguintes são utilizados para aproximar-se dela. Ele é gentil e atencioso, sabe usar bem as grandes orelhas e a ouve, mostra-lhe quão similares são seus pensamentos, usa de empatia e sim, ele a atrai! Se não fosse casado!
O tempo passa e o Lobo e a Chapeuzinho se tornam muito amigos (sempre com aquela tensão que conhecemos bem quando encontramos alguém que parece ser feito para nós), mas eles precisam parar de trabalhar juntos. Graças ao advento da modernidade, isso não atrapalhará os planos dele - internet e celular manterão a convivência e ele ganha mais um aliado: a ausência (sentir saudade é fundamental na hora da conquista).
E o Lobo segue envolvendo a Chapeuzinho, eles gostam das mesmas coisas, pensam parecido, até torcem para o mesmo time! Ela pensa nele vez por outra, deseja-o, mas esquece. Um belo dia ele parte para segunda fase, declara-se e demonstra para que servem seus grandes olhos: para capturar os detalhes (os brincos, a corrente no pescoço, o sorriso); também explica para que serve seu nariz grande: para perceber quando ela mudou de perfume, é claro! (Há quem resista a essas delicadezas?)
 A Chapeuzinho encanta-se, fica reticente, mas o sabor da aventura é tão mais sedutor!!! Ela dá muitos espaços para que ele vá mais longe e ele sugere o bosque.
­- Não! O que você está pensando? Que sou uma qualquer?
­- Nunca! Você é uma mulher para ser mimada, para ter tudo o que quer! (Eu não havia falado da grande boca, ela serve para ser sedosa, para dizer o que se quer ouvir!)
Os dias se passam e o Lobo começa a pensar que já não tem tanto talento, até que ela em uma bela manhã liga para ele
­- Tá desocupado? Tô na praia, vamos dar um passeio?
- É isso que você quer?
- Sim, e você? É isso que você quer? Eu não tenho nada a perder, já você...
Era o que ele queria, desejava aquilo mais que tudo, tanto tempo tentando!!! À praia!!!
E eis que a Chapeuzinho dá ao Lobo o que ele queria, pede um Chadon e volta pra casa. Como foi? Foi maravilhoso, o tato é, sem dúvida, o melhor dos sentidos do Lobo! Saem mais algumas vezes e divertem-se muito. Até que um dia recebe uma ligação em seu trabalho:
- Falei tudo para minha esposa, não consigo parar de pensar em você! Vamos ficar juntos!
- O quê? Tá louco? Deus, e eu que pensei que você era o Mau! Fala sério! Eu só queria me divertir, te resolve aí e me esquece! A gente não pode nem brincar nessa floresta! Droga!
É amigos, no século XXI é a Chapeuzinho que é má, e sem compromisso, por favor!!!

Menino Música


Ele era uma criança como as outras e sua principal preocupação era divertir-se: corria, brigava com os irmãos, sorria, e fazia valer todos os verbos aos quais um garoto tem direito. Mas ele era especial, possuía em suas mão as gotas de harmonia e sintonia , os tons e sons.
Uma vez, em meio às brincadeiras, ele reconheceu um violão. A mãe, um amigo, quem o havia dado? Naquele momento não lembrava. Apenas sentiu um aperto em seu coração, um doce prazer desconhecido, uma leve agonia eram as luzes da música que o envolviam, e ele inebriado deixou-se estar e brincou. As notas eram difíceis, um pouco dolorosas, mas aos poucos iam surgindo de suas mãos. ”Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones...” Sim, havia descoberto um novo verbo: musicar.
Daquele momento em diante, sempre que sentia aquela (já conhecida, mas ainda desorientadora) doce agonia, entregava-se ao prazer do novo verbo, e tocava, tocava. Em muitas dessas vezes aprendia um novo instrumento, e nesses dias ele ficava ainda mais feliz do que era sempre.
O tempo foi passando e o menino tocou em uma banda, e conquistou muitas meninas, inclusive a mulher de sua vida. Tocou em um grupo religioso, tocou em casa, saiu tocando! Um dia resolveu criar um coral, novo desafio pra suas mãos, mas se havia música, dos dedos surgiam as luzes da harmonia e em pouco tempo os acordes bailavam em seus olhos. Juntou um grupo de amigos e para fins religiosos começou a reger. Novamente o início era doloroso, mas seguia o ritmo de seu coração e... produzia música!
Mas as pedras da vida adulta bateram à sua porta e o menino de luzes musicais foi estudar. Sempre acompanhado dos acordes, tornou-se engenheiro e depois professor. Nesse momento a musica já coadjuvava, no entanto, por vezes seu coração acelerava e ele tocava, tocava.
A vida pede do homem mais do que ao menino, e aos poucos ele aprende escutar menos o coração. Brilha em sua vida profissional, reina na familiar, mas aquele verbo, aquele da infância, vai ficando cada vez mais em desuso. São muitas as atribuições de um adulto, não se pode perder tempo com sonhos juvenis. Até que em um domingo qualquer, ele chega em casa, entra no quarto do sobrinho, e os olhos brilham. O coração acelera. As mãos começam a estrelar. Um sorriso brota doce de seus lábios e ele se dirige, com a mesma angustia de anos atrás, àquele objeto - uma bateria!
E...toca, toca, toca...