Uma das mais doces lembranças que tenho da infância é de quando viajávamos em família e meu pai perguntava o que o vento havia desenhado nas nuvens. Nossa! O tempo enfadonho dentro do ônibus passava a fluir ligeiro. A cada nova arte do ar, muitas risadas.
Hoje olho para o céu e sinto uma dificuldade imensa em identificar as travessuras eólicas nas nuvens. O que acontece com nossa visão quando nos tornamos adultos? Teria Chronos levado consigo a divertida poesia que mora no alvor celeste? Ou seria meu coração que já não consegue ler os encantos cotidianos?
Cidade de pedra com cheiro de mar... muito tempo exposto a essa composição nos torna duros, secos, salobros. A luz e doçura da infância se perdem nas curvas rochosas e fica difícil sequer identificar a poesia, quiçá compreendê-la ou vivenciá-la. Os poetas são, certamente, eternos infantes que crescem, mas não se embriagam de maturidade, não se enrijecem. Eu não sou artista, nem muito menos poeta. Entrei nesse calabouço escuro e vazio do cotidiano e já não vejo nem música, nem versos na estrada - suspeito-os, é verdade, talvez até consiga sentir seu perfume, mas não os reconheço.
Em que momento as nuvens passaram a ser só nuvens, as rosas, apenas flores, e o sol só anúncio de um novo dia? Em que instante deixei de perceber a beleza profunda de um fim de tarde?
Constantemente passo por uma ponte no horário em que o dia é substituído pela noite, mas em nenhuma das vezes paro o que estou fazendo para observar essa cena. Ontem eu vi o pôr do sol no Rio Potengi, algumas nuvens bailaram no céu antes do momento ápice, e Ele brincou com elas escondendo-se das câmeras que insistiam em guardá-lo em um chip, mas apareceu resplandecente e sorridente para despedir-se e dormir beijando as águas. Não consegui perceber os gracejos que dizia, nem as respostas que levou. Mas vi-o, penetrei-o e sua luz não me cegou. No laranja chamejante daquele sol consegui reencontrar-me jovial e feliz adivinhando as artes de Éolos e embasbacando-me com a grandiosidade de Apolo. Foi questão de segundos, mas quase li poesia naquele repouso solar.
Hoje me encontro olhando um céu algodoado de nuvens, não consigo perceber nenhum desenho no ar. É, parece que sigo salobra e pétrida. Saudade do tempo em que ver significava entender a poesia do cotidiano.