segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Coração de Menino

Ele adorava sair todas as manhãs para praça que fica em frente a sua casa, não sem antes fazer o café e tomar escondido uma xícara. Vivia ali há mais de trinta anos e colhera dessa caminhada muitos amigos. 
Seu sorriso era sempre farto e corriqueiro, cabeleira rasa e toda branquinha, um típico avô padrão que dava até vontade de sentar no colo e ouvi-lo contar histórias.   As adversidades vencidas deixaram marcas não apenas na face e nas mãos calejadas, com o também na alma (e que pessoa que vale a pena se salva dessas cicatrizes?). Louco por doces, proibido; soneca logo após o almoço, proibida; caminhadas longas visitando os amigos, proibidas. E você pensa que ele entristecia? Vencer o tempo nos dá o direito de burlar todas as regras com serenidade, cautela e muito bom humor. Atendia a tudo e esquecia-se de tudo sempre que lhe convinha, é claro!
Um dia dera um susto em todos: seu coração resolveu bater mais lentamente, e quem disse que queria voltar ao ritmo padrão? Seria saudade da vida de agricultor dura e pausada, sem essa agonia urbana, essa correria, essa voracidade?  Ou era cansaço dos dias? Já recebera tanto desse mundo, será que o menino queria descobrir novas aventuras em outro lugar? Nunca se saberá, mas a medicina evoluiu e sobreviver é verbo comumente conjugado.  Alívio era a palavra que traduzia o sentimento geral quando, dias depois, ele cruzou a porta de casa. Já não era o mesmo, agora usava um aparelhinho que ajudaria seu coração a bater no compasso certo.  Ele também estava feliz, sabia que ficaria tudo bem (uma cigana uma vez lhe disse que viveria mais de noventa anos, estava com 87, tinha muito o que fazer ainda!) , seguia, como sempre dizia, confiando em Deus e nas palavras de uma cigana!
O mês de novembro foi de consultas regulares e ele chegou todo prosa quando o  médico disse que seu coração estava igual ao de um menino! Ele era todo um menino, o brilho de seus olhos bem exprimia isso. Amava a juventude e a exalava em cada molecada que aprontava vez por outra. Seu coração não era de um menino apenas porque pulsava corretamente, mas porque nunca deixara de sentir e, muitas vezes, agir como tal. 
Quando se sentiu bem, resolveu visitar um irmão que se encontrava doente. O tempo também sabe ser cruel - ao vencê-lo, pagamos o alto preço de vê-lo levar nossos amores, ilusões e muitas vezes esperanças. Ficou triste, não era muito agradável ver um irmão acamado. Lembrou-se da cigana, ela começou a dançar à sua frente. Estava tão linda em seu vestido vermelho! Viu-se novamente jovem e encantado, ela ria e pegava em sua mão. Apresentava-lhe um caminho novo, desconhecido, mas tão belo, tão diferente desse que percorria diariamente!  Sentiu o coração, seria dor? Não, ele era um menino!  Não resistiu ao bailar cigano, ao perfume do novo. Sentia-se tão leve!
Um corpo no chão, lágrimas enchuvalham-lhe. Ele olha, sente saudade, mas é traquina como um menino. Vai-se. Leva em seu coração todos os amores, preparar-lhes-á uma linda casa com flores e árvores ao redor. Mas, agora, quer apenas dançar. Segue a cigana.
O amanhã será breve, vocês verão, eu nem o percebi chegar!

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