Você acorda cedo, toma seu café,
despede-se de sua esposa e vai para o trabalho. Executa suas tarefas diárias,
estressa-se, almoça, estressa-se novamente, volta para casa, janta, assiste ao
jornal, conversa coisas das quais não vai se lembrar, toma um belo banho e
dorme. Quando amanhece volta para mesma dança diária, sem câmera, sem luz,
apenas com a ação instintiva do sempre.
A corrupção? A violência? Os
sonhos e crenças? Tudo dissolvido nessa passeata do imediato, do “necessário”.
Você sorri, vai ao cinema, namora e discute o futebol, ou mesmo a novela que
tem tomado a atenção geral com seus conflitos psicológicos e morais. Mas que
sabor esses momentos deixam na sua boca? Amanhã quando parar para lembrar a
gracinha contada pelo amigo, que cor terá a cena? Ele disse mesmo alguma
gracinha? E os perfumes? Que cheiros invadiam o espetáculo da sua vida enquanto
você a via passar?
Na adolescência temos tempo e
curiosidade. Habita em nós, ainda, a poesia, e captamos cada sensação, ativamos
todos os sentidos, respiramos com os poros. Lembra a sua primeira namorada? Que
cores havia na cena? A primeira vez que saíram juntos, que notas possuíam seu
perfume- adocicadas, amadeiradas, florais? A cena certamente tem uma cor, é
colorida com a empolgação daquele momento. E seu primeiro salário, o resultado-
positivo ou negativo- do vestibular? Tudo com os devidos sabores e cheiros,
certamente você os carrega agora na boca. A vida nesse tempo era temperada e
você nem sabia. Igualmente à comida quentinha que sua mãe preparava. Uma
delícia, mas quem parava para pensar nisso?
Um dia desses na sala de aula
perguntaram sobre o que era essencial. Uma questão para qual o professor não
esperava respostas de filosofia profunda, queria apenas reflexões sobre as
atitudes que devem ser tomadas no ambiente de trabalho. E era o que íamos dar a
ele, até que uma patricinha infame resolveu quebrar a santa paz do nosso
cotidiano.
- Colorau!
-O quê?
- Essencial mesmo é colorau. Quem
consegue comer um alimento sem cor?
Colorau??? Patricinha fútil! Condenada até em décima instância e ignorada em todas as suas baboseiras. Que
relação havia entre o que ela estava falando o que perguntava o professor? Piada!
Mas a sonoridade daquela palavra continuava na minha mente, não consegui nem
ri, nem ignorar, para mim era pura poesia. Será que ela não tinha mesmo razão?
Ontem, após algum tempo de
ausência, fiz uma reunião em casa, estavam presentes alguns queridos amigos,
meu irmão e meu amor. Que cor tinha a
cena? Vermelho, vermelho de sol radiante, presente nos sorrisos, nos abraços, e
até nas gracinhas. E o sabor? Era de massa, vinho e saudade vencida. E o
perfume? Mistura de amadeirados e florais, na verdade era um cheiro de pimenta
usada no ponto exato - esquenta, mas não corrompe.
Ontem, vivi cada momento tal como
na adolescência, aberta a todas as sensações e descobri que era poesia- e não
futilidade- o que dizia a minha colega. Não quero mais aquela rotina sem sons,
incolor, insípida e inodora. Já bebo água o bastante, não quero viver
água! Ela estava certa, embora incompleta. Essencial, mesmo, é: sal, pimenta e colorau.
3 comentários:
Sempre arrasando com esses textos!!
Adorei:)
Muiitoo massa.. Lindooo mesmo, mais lindo é quando vemos(cor) e sentimos(sabor) as sensações(pimenta) dos momentos vividos....
*Cor(coloral), sabor(sal) e pementa(sensações)....
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