sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Vermelho


A manhã estava abafadamente nublada. Trânsito parado, sono e impaciência. Pela janela a vida passava pesada e lenta. Naquele dia a rotina atingira grande peso e sorria do nosso desânimo.  De repende, numa dessas surpresas non gratas que o destino nos apronta, a sorridente rotina é esmagada por um corpo, um jovem corpo no chão.  Um tiro na cabeça. Grossa e indetidamente escorria a vida daquela pequena fenda craniana. Multidão - observadora curiosa e alheia - queria apenas estar a par da notícia, participar da cena que seria o assunto do dia.
Eu fui arrebatada daquela janela e mergulhada naquele vermelho-vida que se despedia em um silêncio esmagador.  O que teria levado o adolescente àquela cena inopinada? Que caminhos percorrera aquele jovem corpo para merecer ou receber tal fim? Que histórias, lágrimas, desejos e sonhos escorriam dando seu último suspiro naquele que já se transformara em um pequeno e rubro lago?
Parecia que podia ver afogado naquele sangue festas e sorrisos, frutos quiçá doces, beijos quentes, madrugadas brilhantes, um futuro em botão que falecia numa apneia infinita. Uma pequena fenda que levava palavras e suspiros esvaindo perdidos, anônimos, inertes e insignificantes nas gotas de sangue que banhavam a pavimentação quente.  Faltou-me um pouco o ar, um mal-estar repentino domava-me. Desejei o peso da minha rotina, consistentes lágrimas escorreram por minha face. Gostaria de devolver o cinza para aquela manhã, o cheiro de asfalto molhado e a tristeza do igual.  
Senti-me banhada daquele cheiro de sangue, daquele luto sem nome, mas com face e sem amanhã. A vida também me escorria em vermelho. Morri, mas precisei seguir com o dia.

3 comentários:

layse disse...

Todos os seus textos são lindos mais esse sem nem uma duvida pra mim foi o melhor porque me fez refletir na vida e pensa bastante!!
como sempre você arrasa com seus textos!

Víctor Varela disse...

Introspectivamente tocante!

pedrokbcao disse...

Uau!