sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Inveja



De todos os pecados capitais, eu sempre achei a Inveja o mais ardiloso, sorrateiro e - quiçá - o mais perigoso dos sentimentos.
Pare e pense comigo: a Ira e a Gula são imediatistas, impulsivas. Suas atitudes pertencem ao presente, ao agora. A Avareza e a Vaidade são cegas ao próximo, seu  foco está no próprio umbigo.  A Preguiça e a Luxúria são uma reunião dessas duas características: impulsividade imediatista e vistas somente para si mesmo.
A Inveja não, ela é paciente e meticulosa, seus olhos estão sempre no outro e ela leva de seu alvo a doçura e a beleza. É disso que ela se alimenta.
Se pudesse descrevê-la, diria que é uma virgem de olhar doce e olhos sombrios. Cobre-se com um vestido de seda lilás. Tudo nela - ao olhar displicente e confiante - inspira compaixão. Ai de quem cai nessa armadilha! Pobre de quem confia e ama um invejoso.
A Inveja tem um beijo doce, sonso e tudo nela é muito raso, embora aparente profundidade e nobreza. Seus olhos estão sempre abertos, ela nunca descansa.  Anda descalça, seus passos são leves e firmes - ela sempre sabe para onde vai e sempre trabalha sozinha.  Tal como um vampiro, a Inveja só vai embora quando leva de você a sua alma.
Uma vez ouvi uma definição interessante sobre esse tema: “A Inveja não quer o que você tem, ela quer que você não tenha.”
É isso. A Inveja é o toque diário de ruína na sua vida.
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Ele era confiante, pensava que conhecia a alma humana. Tinha uma família que amava, morava longe dela porque não se entendia bem com a esposa. Mas era feliz. Vivia com a certeza de ter para onde voltar e exercia a liberdade que tanto amava.
Sua vida era regada do brilho lunar e dos odores alcoólicos - era um boêmio convicto! No cotidiano, era um ser caridoso e atencioso, o que lhe rendia amigos fiéis.
Ser feliz não é permitido. Nesse mundo cinza, qualquer cor ofusca os olhos de quem não quer ver seu próprio jardim.
Em um de seus retornos boêmios, encontrou a responsável por manter seu barraco em dia - limpo e organizado como ele gostava. Ele sempre sorridente lhe desejou um bom dia e esparramou sua felicidade no colchão. Ligou para família conferindo se tudo estava em paz e dormiu o sono dos justos.  A verdade é que não guardou nem o nome, nem a face da ajudante doméstica. Mas ela, ela o viu e ouviu. Quem inocente olhasse diria que o amou. Mas...um olhar mais atento, veria que o foco dela não era nele e sim em sua esposa. Havia uma foto no criado-mudo ela e os três pimpolhos de quem ele tanto se orgulhava.  Eram a certeza da vida dele, o porto seguro, a paz.
Ela imaginava como aquele quarteto da foto deveria ser feliz e não se conformava por eles existirem. Intimamente alimentava o desejo de arrancá-los dali, da foto, daquele homem, da vida dela.
Os anos passaram, mais de uma década, e com eles a distância entre a família e o boêmio aumentava na mesma proporção que a mulher tornava-se cara e necessária  para ele.

O fato das ligações e viagens estarem cada vez mais raras a deixava bem feliz, mas não plena. Ela queria tirar aquele quarteto da vida dele, queria que eles deixassem de existir. Tornou- se amiga dos amigos; uma grande amante, a melhor companheira. Não conseguira ter filhos e isso era sua tormenta, mas preenchia na vida dele todos os espaços possíveis para que o retrato/ o porto fossem esquecidos.

Obteve grandes vitórias, casou-se com ele com a bênção da família e dos amigos. Tinha tudo para ser a mulher mais feliz. Mas não era. Por que não era?
Ele já perdera a luz que possuía nos idos anos. Transformara-se em um homem taciturno e sofrido.
Ela já tinha levado dele a sua alma, no entanto ainda era pouco. Não conseguia ser feliz. Guardara a foto, olhava para ela todos os dias. Aquele quarteto brilhava e, segundo notícias, seguia brilhando... ela não conseguia ser feliz. Não conseguia tocar aquele brilho, ele nunca permitira que ela chegasse perto.
Mas ela precisava daquela luz, era isso que a alimentaria... Estava sempre de olhos abertos. Pensara que retirá- lo de lá seria suficiente. Não foi.
Ah! O século XXI! As redes sociais e seus milhões de olhos, bocas e braços! É lá que vou sugar sua energia, é lá que verei e emolarei cada pequena estrela do seu dia!
A Inveja nunca dorme.
Choveu por dias com vento forte, mas o sol renasceu tão reluzente quanto sempre.
Dessa vez não deu, querida .
A tecnologia é uma faca de dois gumes!
Contenta-te com tuas meias verdades, felicidades, vida.
Por hoje estamos blindados e brilhantes.




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