quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Estes e Outros Ventos


Uma das mais doces lembranças que tenho da infância é de quando viajávamos em família e meu pai perguntava o que o vento havia desenhado nas nuvens. Nossa! O tempo enfadonho dentro do ônibus passava a fluir ligeiro. A cada nova arte do ar, muitas risadas.  
Hoje olho para o céu e sinto uma dificuldade imensa em identificar as travessuras eólicas nas nuvens. O que acontece com nossa visão quando nos tornamos adultos? Teria Chronos levado consigo a divertida poesia que mora no alvor celeste? Ou seria meu coração que já não consegue ler os encantos cotidianos?
Cidade de pedra com cheiro de mar... muito tempo exposto a essa composição nos torna duros, secos, salobros. A luz e doçura da infância se perdem nas curvas rochosas e fica difícil sequer identificar a poesia, quiçá compreendê-la ou vivenciá-la. Os poetas são, certamente, eternos infantes que crescem, mas não se embriagam de maturidade, não se enrijecem. Eu não sou artista, nem muito menos poeta. Entrei nesse calabouço escuro e vazio do cotidiano e já não vejo nem música, nem versos na estrada - suspeito-os, é verdade, talvez até consiga sentir seu perfume, mas não os reconheço.
Em que momento as nuvens passaram a ser só nuvens, as rosas, apenas flores, e o sol só anúncio de um novo dia?  Em que instante deixei de perceber a beleza profunda de um fim de tarde?
Constantemente passo por uma ponte no horário em que o dia é substituído pela noite, mas em nenhuma das vezes paro o que estou fazendo para observar essa cena. Ontem eu vi o pôr do sol no Rio Potengi, algumas nuvens bailaram no céu antes do momento ápice, e Ele brincou com elas escondendo-se das câmeras que insistiam em guardá-lo em um chip, mas apareceu resplandecente e sorridente para despedir-se e dormir beijando as águas.  Não consegui perceber os gracejos que dizia, nem as respostas que levou. Mas vi-o, penetrei-o e sua luz não me cegou. No laranja chamejante daquele sol consegui reencontrar-me jovial e feliz adivinhando as artes de Éolos e embasbacando-me com a grandiosidade de Apolo. Foi questão de segundos, mas quase li poesia naquele repouso solar.
Hoje me encontro olhando um céu algodoado de nuvens, não consigo perceber nenhum desenho no ar. É, parece que sigo salobra e pétrida. Saudade do tempo em que ver significava entender a poesia do cotidiano.

2 comentários:

Alice Barros disse...

Apaixonante... Lindo, lindo, lindo!

Margot disse...

Essas ideias, memórias, reminiscências da infância são temas gostosos apresentados por diversos autores em diversas modalidades artísticas: poemas (Drummond, Abreu, Pessoa, Andrades), músicas (Buarque, Leandro, Calcanhoto...), em artes plásticas (Britto, Cruz, entre outros). Cada um pintando, tocando, esculpindo, rimando as benesses vivenciadas na mais mágica fase da vida.
Essa é a ideia apresentada por Suylene no conto “Este e outros ventos”, da inocência, do mágico perpassa seu texto, bem como a contrapartida da perda dessa inocência ao passo que “Hoje olho para o céu e sinto uma dificuldade imensa em identificar as travessuras eólicas nas nuvens.” O Sujeito prosador (ou narrador[a]) traz uma indignação para esse novo tempo: “O que acontece com nossa visão quando nos tornamos adultos?”
Para essa outra frente, a perda da inocência, rapidamente, fez-me lembra da canção do Engenheiros do Hawaii “Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão [...]”
De certo, concordo com a autora, ao mencionar que os poetas são eternos infantes “crescem, mas não se embriagam de maturidade, não se enrijecem.”, por extensão, os autores a literatura, as artes têm este papel de não nos tornar robôs num tempo-espaço-velocidade, em quem estamos inseridos, impedidos de vermos estrelas, nuvens, brincar com sombras, jogar pedras pro ar entre outras traquinagens infantis.
Ao se deparar com a dureza, a concretude do cotidiano, um questionamento quase seco: “Em que instante deixei de perceber a beleza profunda de um fim de tarde?” E isso me fez lembrar outra pérola da nossa poesia “Em que espelho ficou perdida a minha face?” (Meireles, com questionamento similar).
Será que eu tenho dúvida que os artistas se comunicam, será que ele sentem parecido? eles conseguem traduzir literalmente e literariamente o que sentimos?!!!
No divagar do pensamento entre infância, perda da inocência, questões de tempo, sociedade, cotidiano, esse sujeito prosador faz uma desabafo “Eu não sou artista, nem muito menos poeta” (mas bem sabemos que os verdadeiros sábios não se vangloriam de suas sabedorias).
Tenho que descordar, autora tem um potencial latente- sutil-certeiro! E tem muito a nos oferecer com seus desabafos, emoções, rimas, composições!!!
Avante!!!