quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Adeus

Ele mira o pôr do sol e as cores fortes o envolvem.
Sua imagem está turva na água parada na qual observa seu reflexo.
Adeus. Há Deus no ponto final? Ou seria uma sugestão de entregar a Deus os acordes finais? Mas a que deus?
Hades? Para enterrar tudo o que dói?
Khronos? Para que sopre todas as pétalas caídas, todas as pedras ensanguentadas e as transforme em adubo e alicerce?
Afrodite? Para que dance com a dor até que ela seja, apenas, notas tristes e mergulhe nas doces e singelas cores de um novo amor?
Ou cada um desses deuses e deusa trabalha  lenta e constantemente no fim e, por isso, há deus?
Lágrimas grossas caem na água turva. Talvez no final do arco-íris só haja a lembrança dos sonhos idealizados. Talvez seja - somente - o vazio de quem não sabe mais para onde ir.
Ou para além do arco-íris é necessário caminhar e o pote é aquilo que fica depois do fim?
Já é noite alta e a lua é o único reflexo possível na água.
É hora de levantar.
A única verdade é que cedo ou tarde o sol vai nascer.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Sobre cobras

Dias desses eu estava em uma trilha e o guia nos apresentou uma linda jiboia. Tivemos o prazer de apreciá-la, tocá-la. Percebê-la como o ser incrível que é. No meio da algazarra que se tornou o encontro com a cobra,  alguém pediu para pegá-la por completo( o responsável pela trilha mantinha a cabeça dela devidamente imobilizada para que não atacasse ninguém) e o rapaz respondeu: “ Por mais que ela pareça domesticada, inofensiva e afável,  ela é uma cobra, cobras não se apegam, não criam vínculos, cobras são sempre cobras.”. Meu Deus! Será que ele sabe a profundidade do que disse? Quantas cobras passam por nossa vida? As peçonhentas são facilmente identificáveis porque deixam seu rastro venenoso por onde passam e para evitá-las basta um pouco de atenção( olhos e ouvidos atentos). Mas o risco mora na convivência com as jiboias e afins. Essas são encantadoras, afáveis e  muitas vezes belas. Exercem, sobre o sujeito comum, um grande fascínio. Por não soltarem veneno, deixam a sensação de segurança. Suas ações parecem sempre  admiráveis e permitimos- com satisfação-  que se aproxime. Aos poucos elas vão lhe envolvendo e você vai acreditando que aquele abraço é puro amor. De repente, sua vida está envolta pelas cores da jiboia e fica cada vez mais natural -para você- aquele cansaço, aquela entrega.  Você não percebe que paulatinamente ela leva de você toda sua energia, que ela o sufoca, que – em nome do amor declarado-  ela quebra cada pedacinho dos seus ossos e vai levando de você todo o seu melhor, para enfim, após apagar você ( emocional, profissional e psicologicamente) engolir o que restou.  E sabe o que  é mais sombrio? Elas seguem rumo à próxima vítima sem qualquer remorso ou dor. Sim, cobras são sempre cobras. Elas não se apegam,  não criam vínculos. Entregam um pseudoamor, uma pseudoamizade em troca do que desejam ( status social, dinheiro, cargos, sexo, ou mesmo o prazer de seduzir e abandonar) e quando conseguem, seguem. A convivência com jiboias nos deixa em frangalhos e se conseguimos sobreviver, nunca, nunca mais seremos os mesmos...

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Sobre vazios, estradas e fins

Ela sempre foi intensa, seu caminho repleto de flores e frutos.Não conhecia nem a escuridão, nem o ermo. Ela sempre foi mar, profunda e bela. Não sabia o que era seca, nem turvo, nem turba. Ela sempre foi música, muitos instrumentos, harmonia e alegria. Não sabia o que era surdez ou infelicidade.Ela sempre foi arco-íris e aurora. Não conhecia nem a completa escuridão, nem a solidão.
Já passara por tempestades, por invernos severos. Já vivera pausas silenciosas e breves tristezas. Conhecia o cinza. Mas para ela o horizonte era sempre colorido. Acreditava no amanhã, no amor, nas pessoas.
Já tropeçara, já machucara a si e a outrem, mas confiava plenamente na profundidade de suas águas e no sabor de seus frutos. Acreditava que não existia problema sem solução e dor sem fim. Não havia vida sem aurora e brisa e, dessa forma, sempre encontrava os caminhos, as pontes, os sons que a religavam ao ser amado- independente da dor.
Nunca guardara um só espinho em seus armários, suas iguarias eram poéticas e leves. Suas dores, quadros pintados na parede que sempre ensinavam, mas nunca determinavam seus fins.
Ela não conhecia o fim, só a transformação.  O recomeço. O reencontro. Quem olhava para ela pensava que era possível voar. Seu sorriso iluminava e sua alma se expandia. Independente da dor.
Tinha o dom de encontrar na alma amada a matéria de reconstrução de si e do outro. Vivia o hoje crendo na chegada doce, sutil e certa do amanhã.
Assim passou a vida por tempo indeterminado...entre pontes, mares e jardins. Muitas reconstruções, tantos quadros...mas sempre com música e horizonte...
Um dia, porém, sentira uma dor singular. No seu jardim mais belo, no mar mais profundo. Percebeu -se cega.  Perdera as asas. Seus olhos conheceram pela primeira vez a escuridão e o silêncio. Sim. Nesse dia a dor não virara nem quadro nem poesia. Ficou ali e estabeleceu seu reinado de escuridão e silêncio. Aquela dor não tinha arte, ela era pura e oca. Pior, parecia ser sem fim.
Ela ali parada, quieta, extasiada. Tentando pensar, tentando encontrar um caminho, uma estrada. Um som. Diante daquela dor o mundo transformara-se, não era melancolia, era só escuridão. Passou um tempo ali. Abraçada com a dor.  Envolta por suas raízes e galhos secos. Mas cansou. Resolveu retirar -se. Sem aviso prévio, sem gritos ou gemidos. Respeitando o silêncio, arrancou os galhos de si e seguiu em busca de paz, luz, música, poesia.  Queria horizontes e jardins. 
Seguiu sem olhar para trás, seguiu- pela primeira vez- sem falar de amor ou de cor. Só seguiu.
Deixara no caminho flores tão belas, mares tão profundos... Deixara tantas construções e projeções, deixara também alguns quadros...por muito tempo não sentiu falta de nada. Só queria se livrar da tal dor. Passou por outros jardins, construiu novas casas, navegou novos mares. Quem olha para ela, pensa até que é mais feliz.  Aprendera a cultivar ainda mais o amor, a valorizar ainda mais cada som, cada ser, cada sim. Reconstruíra suas asas com penas  e brisas variadas.
Mas a saída do jardim  deixara uma saudade. Saudade intensa.  E vez por outra ela olhava para trás.  Olhava com os olhos doces e infantis de outrora. Olhava com a esperança de revivê-lo. Olhava desejando que a dor tivesse morrido asfixiada em seu próprio silêncio e escuridão. Em sua lama fétida e rasa. Olhava e esperava a hora da reconstrução.
Você já amou alguém? Já amou tão intensamente a ponto de acreditar que nada poderia destruir as pontes e mares que vocês construíram juntos? Você já apostou tão alto em um amor a ponto de não ter medo de ir, pois sabia que poderia voltar? Já viveu essa ilusão, a ilusão do sem-fim?
Quando tudo nela estava reconstruído, quando já voltara a amar a si mesma e a outros mais. Quando em sua vida só havia luz, música, flores e poesia. Quando os quadros estavam mais artísticos e menos frequentes, nesse momento ela resolveu voltar. Retomar seu jardim preferido. Enfrentar a terrível dor.
 Nesse dia, ela foi, como sempre, sem medo. Como sempre, acreditando no horizonte, nos mares e flores que cultivara. Foi limpa, de asas abertas, sorrisos e cânticos nos lábios. Foi levar o seu amor.
Ah! Nesse dia, ela conheceu o fim e o deserto. Nesse dia ela entendeu que o amor pode adoecer e morrer. Nesse dia, ela olhou naqueles olhos que foram tão seus. Procurou os caminhos que plantara, uma viela qualquer, uma hortência, uma gota de água límpida. Nada. Foi isso que ela encontrou: o nada.

Ela agora entendia, para ela o nada não era mais “uma palavra esperando tradução “. O nada era o deserto e o fim. Não havia caminho, não havia cor, não havia amor. Não havia ódio, nem revolta, nem tristeza... era o nada. O seco, profundo, severo, triste e escuro nada. Oco, sem som. Um mergulho no vazio, um encontro com a escuridão. 
A dor vencera e foi tão forte que anestesiara e matara tudo. Não havia como construir pontes, não havia como cantar ou compor. Naqueles olhos amados que abrigara campos tão seus, hoje morava o nada. E ele não ama ninguém!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Inveja



De todos os pecados capitais, eu sempre achei a Inveja o mais ardiloso, sorrateiro e - quiçá - o mais perigoso dos sentimentos.
Pare e pense comigo: a Ira e a Gula são imediatistas, impulsivas. Suas atitudes pertencem ao presente, ao agora. A Avareza e a Vaidade são cegas ao próximo, seu  foco está no próprio umbigo.  A Preguiça e a Luxúria são uma reunião dessas duas características: impulsividade imediatista e vistas somente para si mesmo.
A Inveja não, ela é paciente e meticulosa, seus olhos estão sempre no outro e ela leva de seu alvo a doçura e a beleza. É disso que ela se alimenta.
Se pudesse descrevê-la, diria que é uma virgem de olhar doce e olhos sombrios. Cobre-se com um vestido de seda lilás. Tudo nela - ao olhar displicente e confiante - inspira compaixão. Ai de quem cai nessa armadilha! Pobre de quem confia e ama um invejoso.
A Inveja tem um beijo doce, sonso e tudo nela é muito raso, embora aparente profundidade e nobreza. Seus olhos estão sempre abertos, ela nunca descansa.  Anda descalça, seus passos são leves e firmes - ela sempre sabe para onde vai e sempre trabalha sozinha.  Tal como um vampiro, a Inveja só vai embora quando leva de você a sua alma.
Uma vez ouvi uma definição interessante sobre esse tema: “A Inveja não quer o que você tem, ela quer que você não tenha.”
É isso. A Inveja é o toque diário de ruína na sua vida.
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Ele era confiante, pensava que conhecia a alma humana. Tinha uma família que amava, morava longe dela porque não se entendia bem com a esposa. Mas era feliz. Vivia com a certeza de ter para onde voltar e exercia a liberdade que tanto amava.
Sua vida era regada do brilho lunar e dos odores alcoólicos - era um boêmio convicto! No cotidiano, era um ser caridoso e atencioso, o que lhe rendia amigos fiéis.
Ser feliz não é permitido. Nesse mundo cinza, qualquer cor ofusca os olhos de quem não quer ver seu próprio jardim.
Em um de seus retornos boêmios, encontrou a responsável por manter seu barraco em dia - limpo e organizado como ele gostava. Ele sempre sorridente lhe desejou um bom dia e esparramou sua felicidade no colchão. Ligou para família conferindo se tudo estava em paz e dormiu o sono dos justos.  A verdade é que não guardou nem o nome, nem a face da ajudante doméstica. Mas ela, ela o viu e ouviu. Quem inocente olhasse diria que o amou. Mas...um olhar mais atento, veria que o foco dela não era nele e sim em sua esposa. Havia uma foto no criado-mudo ela e os três pimpolhos de quem ele tanto se orgulhava.  Eram a certeza da vida dele, o porto seguro, a paz.
Ela imaginava como aquele quarteto da foto deveria ser feliz e não se conformava por eles existirem. Intimamente alimentava o desejo de arrancá-los dali, da foto, daquele homem, da vida dela.
Os anos passaram, mais de uma década, e com eles a distância entre a família e o boêmio aumentava na mesma proporção que a mulher tornava-se cara e necessária  para ele.

O fato das ligações e viagens estarem cada vez mais raras a deixava bem feliz, mas não plena. Ela queria tirar aquele quarteto da vida dele, queria que eles deixassem de existir. Tornou- se amiga dos amigos; uma grande amante, a melhor companheira. Não conseguira ter filhos e isso era sua tormenta, mas preenchia na vida dele todos os espaços possíveis para que o retrato/ o porto fossem esquecidos.

Obteve grandes vitórias, casou-se com ele com a bênção da família e dos amigos. Tinha tudo para ser a mulher mais feliz. Mas não era. Por que não era?
Ele já perdera a luz que possuía nos idos anos. Transformara-se em um homem taciturno e sofrido.
Ela já tinha levado dele a sua alma, no entanto ainda era pouco. Não conseguia ser feliz. Guardara a foto, olhava para ela todos os dias. Aquele quarteto brilhava e, segundo notícias, seguia brilhando... ela não conseguia ser feliz. Não conseguia tocar aquele brilho, ele nunca permitira que ela chegasse perto.
Mas ela precisava daquela luz, era isso que a alimentaria... Estava sempre de olhos abertos. Pensara que retirá- lo de lá seria suficiente. Não foi.
Ah! O século XXI! As redes sociais e seus milhões de olhos, bocas e braços! É lá que vou sugar sua energia, é lá que verei e emolarei cada pequena estrela do seu dia!
A Inveja nunca dorme.
Choveu por dias com vento forte, mas o sol renasceu tão reluzente quanto sempre.
Dessa vez não deu, querida .
A tecnologia é uma faca de dois gumes!
Contenta-te com tuas meias verdades, felicidades, vida.
Por hoje estamos blindados e brilhantes.




sábado, 27 de fevereiro de 2016

Noite chuvosa



“ Que a chuva caia como uma luva, um dilúvio, um delírio, que a chuvas traga alívio imediato..." Engenheiros do Hawaii

A chuva é o fenômeno natural mais ambíguo de todos. Em sua essência, a dualidade da paz e das trevas...a chuva, uma metáfora divina do humano e da vida.
Lembro-me de nossos primeiros momentos... chuva leve, brisa. Daquelas que molham, mas não encharcam. Daquelas que abrandam o calor e suavemente apimentam o dia. Chuva que cai, mas não é fruto de densas nuvens, é, apenas, um doce presente divino, geralmente acompanhado de um arco-íris quase  translúcido, mas cheio de cor. Éramos assim. Em nossos terrenos úmidos, as flores delicadas da paixão.
O tempo passa e seu poder de transformação por vezes é árido. Nossas garoas foram se transformando em chuva mais densa, mais forte, chuva que molha, deixa resfriado, filha do cinza que se acumula. Mas ainda tínhamos o calor dos dias, o pólen, e muitas vezes, a chuva vinha como o alívio e a liberdade que precisávamos para recomeçar e os dias seguintes eram de cores e sons. Depois da tempestade, a bonança do reencontro.
O tempo, o hábito, a certeza...olhos acostumados, rotina, dias sem brilho, céus nebulosos e fomos nos perdendo em labirintos e as doces chuvas tornaram-se dolorosas tempestades que nos inundavam e afastavam, que matavam o solo, que não apagavam o cinza e não geravam arco-íris.
Fomos naufragando naquela que um dia foi o símbolo de nossos sonhos e liberdade. A chuva.
Talvez se eu fosse um pouco mais solar, um pouco menos espinho. Talvez se você fosse um pouco mais som, um pouco menos vinho. Talvez você fosse um pouco mais sim e eu um pouco mais não. Quem conhece os elementos geradores das nuvens? Quem conhece os caminhos da eternidade?
O horizonte que, a princípio, parecia tão longe e atraente, mostrou-se abismo solitário. E entre silêncios fúnebres, trovoadas e escuridão os dias escorriam.
Mas a chuva, a chuva é ambiguidade. E numa noite cinza, com o coração em chumbo, deixei-me ir. Ouvi o som das gotas, deixei-me levar. Encharcado, silencioso, mas sentindo, pela primeira vez em anos, a leveza do reencontro com o eu.
Um táxi, uma mala, uma estrada só de ida. Gotas grossas por dentro e por fora dos vidros. Cinza.

Mas o horizonte já parecia atraente e não sei se em mim, no céu ou em ambos, o arco-íris se derrama.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Adeus

“ O mal do século é a solidão, cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição”.  Renato Russo

Ele era belo.

De um sorriso contagiante e um olhar perscrutador.  Tinhas sonhos e medos como todo jovem.  Tinha foco, como poucos de sua idade.

Determinado, tal como criança ansiosa, buscava o que queria sem muitos cálculos, sem muito pudor. Era o dono, o comandante.

Ele era belo.  E sua beleza e juventude, seu ar de sabe-tudo, seu poder de persuasão, sua mão forte e voluntariosa em busca do que desejava escondia suas angústias.

Ele era belo, carismático e sozinho. 

Solidão que escondia no fundo dos olhos, lá onde desaprendemos a olhar, lá onde ele entedia que estava seguro seu segredo, lá onde ele sabia que ninguém ia observar.

Ele era belo. E o mundo acreditou que a vida lhe seria leve e doce, mas ele não queria o sol, nem a chuva, nem o branco nem o preto. Não queria passos predeterminados. Preferia o arco-íris.  Quis traçar o seu caminho, pensou que era forte, como a mão que usava para agarrar o que julgava seu.

Mas o caminho pelo ou para o arco-íris, esse caminho da contramão, é ferro, é fogo, é escuridão.  É dor perene que precisa ser curada diariamente.  É uma luta árdua, que nos traz as flores e seus perfumes, mas que não nos poupa os espinhos.

Ele era belo. E sua beleza foi cântico e balada, foi poeira, foi bola de sabão... passou colorindo e encantando, mas deixando cada vez mais deserto seu coração.

Ah, o coração. Quantas vezes ignoramos seus apelos?

O tempo, escultor incansável do que somos, deixou nele cicatrizes profundas. E o fundo de seus olhos guardava cada vez mais segredos, e sua cabeça cada vez mais tempestades e seu corpo cada vez mais dor.

Estava no arco-íris. Determinado como era, não desistiria de ali viver, mas com tanto peso guardado... com tantos espinhos encravados... não, ele não era tão forte quanto pensara.

O poeta estava errado, o mundo pesa muito mais que as mãos de uma criança. E por vezes somos a criança que precisa de colo, que quer dividir o peso, que só precisa chorar.

Ele agora decidira seduzir sua própria solidão. Ia casar-se com ela, dançar pela eternidade.

Ele era belo e determinado.

Um Chandon, uma foto, uma comemoração.

 Naquela noite livrar-se-ia de todo peso. Era a noite das núpcias. Um casamento sem convidados, sem música, banhado apenas pelo vermelho. O derradeiro ato das fortes mãos e o mais determinado de todos eles.

Seria a mais bela das dores, a da liberdade.

Voara em céu e terra rubros.

Ele era belo. E agora em seus olhos não havia mais nada. 

O dia amanhecera vazio, quente de sufocar.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Compasso Final


Eis que ela aproxima-se bela e envolvente em seu vestido negro noite.  Sua coreografia é hipnotizante e triste, mas seus olhos são vibrantes. Sonhara com ela por anos, desejara-a - quiçá desde que havia nascido- mas sempre estivemos distantes. Hoje, porém, acordara com seu perfume floral e com seu musical réquiem.
Era indefinível o que sentia. Que sabor teria seu beijo vermelho? Sabia apenas que acompanhá-la era entrar em uma viagem misteriosa e solitária, repleta de chuva e adeus.
Ela, a quem tentara entregar meus dias tantas vezes. Ela a detentora da ponte, do silêncio e quiçá de mim. Sua presença gélida amedrontava e seduzia-me. Não entendia seu aparecer repentino numa manhã de verão. Sem prévio aviso, no momento mesmo em que me casara com a felicidade e a esquecera quase por completo, ali estava ela estendendo-me a mão.
Olhei pela janela, pássaros cantavam livres, céu azul, sorrisos soltos ao vento. Meu coração assim também se encontrava. Ao meu lado a imagem da paz em olhos de mel, o amor em forma de mulher que não percebia o que acontecia e placidamente dormia o sono dos inocentes. A hora chegara e era inegável que esse era um bom dia para dançar.
Com as mãos e lábios repletos de saudade despedi-me de meu amor, sentei-me na cama e aguardei que ela me envolvesse em seus braços.Era leve seu toque, sério e objetivo seu olhar, mas como era doce seu bailar!

Aconcheguei-me no azul e entre nuvens brancas e profundo silêncio iniciamos a viagem.